quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O século das migrações inversas

Muitos começam a deixar as grandes cidades em busca de qualidade de vida no interior do país

Rafaela Bez

Acordar, levantar, tomar café da manhã, pegar ônibus, trabalhar, almoçar, trabalhar de novo, pegar ônibus, voltar para casa, jantar, ver televisão, tomar banho, dormir. Em meio a isso: estresse, violência, correria, poluição, alimentação incorreta, insônia, preocupação. Essa é a rotina da maioria da população que vive nas grandes metrópoles. Mas, nos últimos anos, algumas pessoas estão revertendo essa situação e fazendo com que o campo, as praias, a roça e a natureza voltem a ter cada vez mais habitantes. O mundo vive a inversão do êxodo rural.
Uma vontade intensa de viver com simplicidade, em comunidade e em comunhão com a natureza. Esses são alguns dos vários fatores que fizeram com que a socióloga Gisele Carneiro, que nasceu no Rio de Janeiro, mudasse primeiro para Curitiba e, recentemente, se transferisse para uma aldeia indígena, no Espírito Santo, transformando o seu estilo de vida. “A cidade grande oferece inúmeras possibilidades culturais, conforto, consumo, opções de lazer e facilidades diversas. No entanto, é preciso pagar um preço alto para tanta comodidade: a distância da natureza, que desumaniza o homem, o apelo capitalista ao consumismo, as relações superficiais entre as pessoas, a desconfiança, o medo, a correria do dia a dia, que prejudicam a reflexão, a escuta, o sentir e a observação de perceber o que está à nossa volta”, ressalta Gisele.

Nem todos querem ou estão preparados para uma mudança radical na questão da mobilidade. É preciso exercitar o desapego do conforto e abdicar das comodidades que o mundo urbano oferece. Há um encanto por cidades grandes. Ainda são fortes o preconceito e a desvalorização das pessoas que vivem e trabalham em áreas rurais.  “Para contribuir com esta visão preconceituosa e mítica, há todo o apelo dos meios de comunicação, a própria literatura e o senso comum que coloca o indígena como preguiçoso ou o caipira como ‘jeca’, atrasado, ignorante, alvo de chacota. É preciso afirmar e reafirmar o valor do trabalho rural, problematizando o senso comum, fazer uma reflexão crítica sobre o que é qualidade de vida, solidariedade, valor do trabalho e o cuidado e a comunhão com a natureza”, explica a socióloga.

Em uma pesquisa nacional do Programa Luz para Todos, do Governo Federal, que é coordenado pelo Ministério de Minas e Energia, 10,6 milhões de brasileiros que foram beneficiados pelo projeto, 4,8%, ou 96 mil em todo o país, voltaram a viver no campo por identificarem a oportunidade de ter ali uma qualidade de vida maior do que nas grandes cidades.

Atualmente, o apelo desse tipo de alternativa de vida segue nessa direção, na medida em que o interior do país se transforma. Antes caracterizado pelo isolamento e pelas dificuldades de comunicação, hoje a televisão praticamente se universalizou, assim como o acesso ao telefone celular. Além disso, a internet também está chegando aos rincões mais profundos do país. Ao mesmo tempo se pode, com variações é claro, ter acesso aos bens de consumo.

Dessa maneira, a fronteira entre o urbano e o rural, por exemplo, vai ficando cada vez mais tênue. Além disso, novas, boas e às vezes melhores oportunidades de emprego estão surgindo em localidades distantes dos grandes centros urbanos e que vão atraindo as pessoas. “As cidades maiores, ao mesmo tempo em que oferecem mais facilidades e oportunidades em termos de acesso à saúde, educação e trabalho, sofrem dos problemas próprios das metrópoles: poluição, aumento da violência, problemas relacionados à mobilidade, estresse e correria.” É o que explica o sociólogo do Centro de Pesquisa e Apoio ao Trabalhador André Langer. Para ele, a maior dificuldade da sociedade hoje, em modificar seu estilo de vida, é não saber renunciar a algumas facilidades, como cinema, shopping centers e a possibilidade de comprar as coisas na hora em que fazem falta.

Há também quem mude seu estilo de vida divido as novas oportunidades de emprego originadas no interior ou nas pequenas cidades. “A maior dificuldade talvez seja a adaptação. É preciso estar aberto e não oferecer resistência a esse novo estilo de vida possível. Às vezes, somos viciados em nossos antigos hábitos, o que pode dificultar a mudança. É preciso ter ‘espírito’ aberto ao novo”, afirma o comerciante Valdemir Chimborski, que nasceu em Minas Gerais, morou em Curitiba por mais de 20 anos e hoje reside na cidade de Pitanga (PR), que tem um pouco mais de 8 mil habitantes. Ele mudou-se com a esposa e o filho, de 5 anos, pois sua mulher desejava trabalhar em uma empresa da região. Para isso, deixaram sua vida em Curitiba e partiram rumo ao norte do estado. “A qualidade de vida da população pode ser impulsionada por uma mudança de local de moradia. O motivo principal de mudança de Curitiba para uma cidade menor, além da busca por novas oportunidades, foi também a procura de um novo estilo de vida, onde se possa ter uma maior tranquilidade”, explica Chimborski.

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